"Odete" de Joao Pedro Rodrigues
Estreado na última semana do ano “Odete” corre o risco de cair no esquecimento do público, seja pelo encobrimento de outros títulos (“Corpses Bride” ou “King Kong”),seja pelo facto de ser um filme português.
Em boa verdade é um poema em bruto, um filme sobre um fantasma que não se vê apenas se sente, um filme de amor, de ausências, de obsessões e de morte.
Cada personagem vale o que vale, o espaço é uma personagem, o som (silêncio) é uma personagem, cada corpo cada objecto fazem parte de uma personagem. Que espaço existe? Pouco, mais visível no início, escuro e escondido no final. Sempre fotografado com detalhe cada personagem se sobrepõe a um espaço real, sendo o espaço um complemento interior de cada personagem.
Cada personagem são seres deslocados, seres alienados, destruidos alimentados por desejos e obsessões. Cada personagem alimenta-se de situações limites, praticamente inacreditaveis, que apenas acentuam o sentido poético da obra de João Pedro Rodrigues.
São os toques «sobrenaturais» que João Pedro Rodrigues dá a um mundo real (pelo menos para alguns) que tornam “Odete” uma obra tão deslumbrante, seja o vento que inrompe pela janela, ou a imensa chuva que se abate sobre o casal no momento da «despedida», ou ainda pelo brutal e cruel plano final onde temos a aceitação, ou a mera presença eterna do «amor».
Podemos concerteza afirmar que é uma obra romântica, o sentimento rege todo o filme, seja a perda ou a necessidade de ocupar um espaço vazio na própria vida ou na vida do próximo.
“Odete” é filmada de forma crua, inicialmente como um confronto, o fabuloso campo contra campo do velório, é um exemplo claro de invasão de espaços que mais tarde é nada mais que uma aproximação vital para a vida de ambos.
Muito mais poderia ser dito em relação a “Odete”, mas um segundo visionamento permitirá extrair ainda mais a elegância da câmara de João Pedro Rodrigues, assim como todos os pequenos detalhes que constroem toda a narrativa, a quente “Odete” é uma obra que nos mantem frios e fechados, mas passadas algumas horas é como se o “fantasma” nos falasse ao ouvido e nos abrisse uma nova visão sobre um amor eterno.
NeTo- 9/10
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Poderemos dizer que a beleza compulsiva e as fulgurantes pulsões que percorrem toda esta segunda obra de João Pedro Rodrigues derivam do outro mundo, isto porque depois do belíssimo preludio – poucas vezes um “close up” e uma jura de amor eterno foram tão belos e terminais – todos os corpos e todos os rostos surgem assombrados pela incapacidade de fazer um luto e de ultrapassar um fim, num desespero olímpico que conduz esses corpos e esses rostos magoados a forçarem todos os limites verosímeis e credíveis em busca de um desejo e de uma obsessão, possuídas por forças inclassificáveis que não controlam e que conduzem inevitavelmente á destruição de todas as barreiras físicas e sexuais, é o enaltecimento absoluto do amor.
Tão forte e tão sublime, tão desesperadamente romântico, passa por aqui o fetichismo lúgubre de hitchcock, Vertigo claro, do melodrama de Sirk e o melhor cinema romântico do período clássico americano, bem como o distanciamento revelador de Bresson…amalgama híbrida e originalíssima de um cinéfilo compulsivo em direcção a uma catarse própria.
E depois de “O Fantasma” eis que se podem sentir vibrantemente todas as marcas autorias do realizador: a perfeição e genialidade dos movimentos de câmara e dos enquadramentos, a beleza inaudita da fotografia de Rui Poças, um som envolvente e muito bem criado e aqui uma banda sonora luxuriante e apropriadíssima…e depois o prolongamento e não a repetição dos temas do filme anterior, aliás este filme com todas as variações do antecessor podia-se chamar também “O Fantasma”.
José Miguel Oliveira - 10/10
7 Comments:
fui ver hoje. é um filme louco. é a palavra que vejo como melhor para o descrever.
dava-lhe tlx um 7/10, pela poesia da ideia, pela fotografia e música e claro, pela interpretação de Ana Cristina de Oliveira!
Lost: Pois, louco é um dos termos que poderemos utilizar, assim como muitos outros, é a poesia que estimula e motiva os diversos espectador a interpretações diversas. Para mim um dos filmes do ano e que vem culminar em grande estilo um ano muito bom de cinema português.
Cumps
Por acaso ñ me sabem dizer qual é a música do trailler do filme?
angie: Ola, por acaso não tenho uma certeza para te dar. Apenas posso afirmar, é que vi uma entrevista do realizador a falar sobre esta música, bright eyes - "a perfect sonnet". Espero ter ajudado, depois dá noticias.
Outras musicas que conheço e ouvi no filme são, MOON RIVER e BOTH SIDES NOW (Joni Mitchell).
Cumprimentos
Obrigada! É mesmo. ;)
E muitos parabéns pelo blog!
Também gostei muito do filme. Aqui ficam imagens raras do discurso de João Pedro Rodrigues em Cannes.
http://www.grapheine.com/bombaytv/index.php?module=see&lang=fr&code=50d026cf31cdaff5e7f300b7d3da4de6
Assiti o filme "Odete" nesta tarde morna, silenciosa e triste deste Domingo sem referência; não poderia ter escolhido momento mais pleno. O filme é a sublime tradução da perda que não se recompõe, do amor que não cessa e da lembrança que supera a fronteira da morte. O olhar úmido de Rui, a solidão de Odete e o desamparo de Teresa (a mãe)nos dão a dimensão e grandeza da proposta de João Pedro Rodrigues com essa obra-prima carregada de simplicidade e beleza brutal e áspera. Chorar ao final dessa sinfonia de imagens não é o bastante pra traduzir a dimensão dessa obra-prima, é preciso gritar sobre o que dela fica entalada em nossa garaganta.
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