quinta-feira, julho 21, 2005

Mulholland Drive de David Lynch (2001)


«Silêncio...... NO HAY BANDA»

Silêncio... silêncio é o que não existe, durante o visionamento, e muito menos no final deste surreal e negro filme de David Lynch.
“Mulholland Drive” é uma obra de Lynch para espectador ver? Não. Quem for apenas ver, corre o sério risco de sair com um péssimo sentimento de desilusão, e mesmo pensar que Lynch acabou de gozar com a sua cara. Na verdade “Mulholland Dr.” Será um filme para observar até à exaustão, não só com os olhos, mas também com a “psique” inerente a cada individuo e a cada personagem do filme.
Lynch nunca desvenda por completo o que se vai passando diante dos nossos olhos, prefere antes dar-nos o poder de descodificação (coerente ou não) dos signos e pistas que nos vai deixando ao longo do filme. No final, fica apenas o espectador e as imagens para descodificar, e compete-nos a nós amarrar todas as pontas que Lynch no coloca em frente do olhos.
Nada é linear, nada é simples. Se por vezes os “formalismos” chegam a ser irritantes, neste caso, a forma é o princípio, é a vida do filme. Recorrendo a uma estrutura narrativa complexa, Lynch cria uma história de opostos, de dicotomias. O sonho/realidade (surrealismo), desejo/amor, vida/morte, cinema(ilusão)/vida(real) e liberdade/condicionamento, controem o mundo de “Mulholland Drive”, onde Lynch se mostra um manipulador de sensações, conseguindo por vezes mergulhar nos lados mais difusos e complexos da mente humana.

Durante praticamente 2/3 do filme, somos colocados perante um desenrolar abstracto de acções que se vão adensando parecendo que cada vez mais se vai fundindo para finalizar e colocar um ponto final nas nossas manobras psicológicas de compreensão. Mas sendo Lynch, não se pode esperar que algo de linear se vá desenrolar, e o ultimo terço do filme, acaba por ser como o primeiro, mas como um oposto, não na sua forma, mas no seu conteudo. Se na primeira parte vivemos um sonho (?), na segunda parte vivemos, o que levou a esse sonho (?), sim possivelmente já estarei a desvendar grande parte do interesse do filme, mas agora parte de cada um tentar descobrir o quê e onde.

“Mulholland Dr.” segue a história de uma mulher que sofreu um acidente, no qual perdeu parcialmente a memória, encontrando numa aspirante a actriz a ajuda para resolver a sua situação.
Pelo meio David Lynch, aplica uma rude crítica à indústria cinematográfica (diga-se que me boa verdade é rude para com o realizador), directa ou indirectamente o filme acaba por ser uma crítica a todo o processo de produção de um filme, acompanhamos uma actriz a uma audição, onde temos um realizador “múmia”, uma equipa de produção e casting que “apunhá-la” actores consagrados pelas costas, temos um jovem realizador a ver a escolha da sua actriz a ser manipulizada por um grupo de mafiosos, e uma clara crítica ao “playback”, ou seja aquilo que ouvimos nem sempre é o que vemos ou visse versa, o cinema como ilusão, a construção da acção, o poder do som e da imagem.

A câmara de Lynch é do mais incisivo que se viu nos ultimos anos, podendo mesmo fazer lembrar Kubbrick. É fabuloso os recursos que Lynch claramente utiliza, para situar o espectador na acção, desde a “câmara subjectiva” até ao plano pormenor, que descreverá o tempo da acção, lá mais perto do final, onde um pequeno objecto, permite situar o “tempo” (acção), embora mesmo sem ser necessário tal artifício, mas Lynch fez o favor de nos facilitar a leitura, embora muitos o responsabilizem de em nada facilitar a vida ao leitor.

Com uma fotografia “noir” que lhe permite acentuar o surrealismo da obra e com uma (absolutamente) fabulosa banda sonora de Angelo Badalamenti, Lynch cria uma verdadeira aula de cinema para qualquer espectador, uma das maiores lições cinematográficas dos ultimos anos, que apesar de tudo, parece andar um pouco esquecida, pela grande maioria dos cinéfilos. (admito que de minha parte também)

As personagens de Lynch, são fugitivos... tentam fugir dos seus desejos interiores, tentam combater a realidade com a ilusão. Naomi Watts é uma actriz fabulosa, plena de dramatismo e de versatilidade, à qual se alia, uma brilhante e fria Laura Elena Harring, para elevar ainda mais a qualidade cinematográfica de “Mulholland Dr.”

Para não mais me alongar, resta-me apenas afirmar, e possivelmente cair na redundância, que Lynch é um realizador sublime, é um mestre da não linearidade (tal como no caso de “Lost Highway), é um manipulador, é um mestre no que se trata da manipulação dos recursos tecnicos e da psicologia, será mesmo um dos maiores realizadores no activo.

“Mulholland Dr.” é um filme para ser revisto, não só pela sua qualidade, mas para sua total assimilação, não que seja um film difícil (como já ouvi alguem dizer), mas porque é um filme que se estende para além do olhar e da mente humana. E já agora fujam a sete pés das explicações sobre o filme que correm na internet, pois assim as regras do “jogo” de Lynch irão ser quebradas.

OBRA PRIMA (silêncio)

9 Comments:

At 9:15 da manhã, Blogger Francisco Mendes said...

Tremendo filme, que muitos tentaram denegrir. Talvez por preguiça cinéfila, sei lá...

Cumps.

 
At 11:02 da manhã, Blogger MPB said...

Francisco Mendes: É bem verdade, mas a culpa até é capaz de ser do cinema em si, que nos tem habituado a uma mediocridade constante e a uma pouca e misera estimulação da mente.

Cumps

 
At 11:50 da manhã, Blogger Carlos M. Reis said...

Eu fui um deles. Depende muito de como se vê e não tanto de quem o vê.

Vi-o num dia mau, acompanhado e isso é bem capaz de ter influenciado a minha visão do filme.

Um abraço,
Knoxville!

 
At 12:18 da tarde, Blogger MPB said...

Knoxville, eu sou daqueles que acho que apenas um visionamento não chega, e admito que após a primeira vez que o vi apesar de não o achar um grande filme, fiquei com curiosidade de o ver, e neste ultimos tempos vi algumas vezes e então, só aí é que fico deslumbrado com o que Lynch fez.

Dá uma ou mais revisões, quem sabe mudas de opinião... se não mudares... tu é que ficas a perder ;);)

Cumps

 
At 12:22 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Tenho que conhecer melhor o trabalho de David Lynch :)!

Cumps. cinéfilos

 
At 4:08 da tarde, Blogger Nuno Cargaleiro said...

hello, tenho que escrever uma critica a este filme no meu blog... mas sinceramente, adoro-o.
respeito a tua opinião do filme, mas para se compreender o objectivo de lynch é preciso saber a historia que levou a produção do filme... tu falas de duas partes... mas não há duas, são três partes, e a segunda não surge em nenhum momento do filme, tendo somente existindo na nossa realidade. Este é sem duvida o filme mais pessoal de lynch e também aquele em que ele coloca mais de si, e demonstra as suas frustações e as suas emoções neste mundo do cinema... Está prometido uma crítica ao filme para desenvolver este ideia

 
At 7:55 da tarde, Blogger MPB said...

Obrigado NUNO ;) eu refiro realmente as duas partes, mas isso falando em imagens, pois como referi o filme estende-se para o seu exterior. Percebo claramente o que queres dizer.

Quanto ao que levou à produção e os muitos problemas, possivelmente brevemente terás novidades por aqui. Desde a série que era suposto ser até cenas que deveriam ser censuradas... quem sabe aqui coloco um "pequeno" post sobre o assunto.

De resto, mais uma vez Obrigado, e vai aparecendo... és bem vindo ;)

Cumps

 
At 9:49 da tarde, Anonymous Anónimo said...

E pensar que a estação de televisão preferiu dar vida a um pastelão chamado "Wasteland" (pelo menos o título era adequado) do que produzir a série do Lynch. Só na América... ;-) Perdemos uma boa série, ficámos com um bom filme!

 
At 9:28 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Mulholand Drive é simplesmente um dos melhores filmes que tive oportunidade de ver. Com um argumento que é uma critica cerrada à indústria do cinema, e a própria vida, Lynch assina um filme pleno de arte e visão. É sem duvida um dos meus filmes preferidos

 

Enviar um comentário

<< Home