domingo, outubro 23, 2005


“Last Days” de Gus Van Sant



Observando as ultimas obras de Gus Van Sant, é desde logo perceptível uma intensa mudança dos cânones narrativos e técnicos do cinema actual. Tanto em “Gerry”, “Elephant” e agora “Last Days”, colocam a olhos visto o lado experimental do cinema de Gus Van Sant, para além da poética e do ritmo narrativo, Gus Van Sant explora diversos factores inerentes à própria narrativa em cada um dos filmes da chamada “triologia da morte”.
Van Sant explora diversos factores, ou melhor manipula-os, de forma a servirem a sua narrativa, tenhamos em conta que qualquer sistema narrativo cinematográfico, obrigatoriamente (?) deverá conter imagem e som, como todos os signos inerentes que permitem um caracterização temporal e espacial, mas existem outros factores para além destes, que dependerão da interpretação do autor para a sua utilização. Em “Gerry”, toda a narrativa é acente na palavra, os diálogos guiam a acção, em “Elephant” é a imagem e o recurso a anacronias/sincronias (alterações temporais), que conduzem a acção, agora em “Last Days” é explorado o factor que faltava, a música/som, como complemento e suporte para todo o desenvolvimento narrativo.

Com o som ao serviço da sua narrativa, Gus Van Sant constroi um exercício de construção e complementariedade entre a imagem e o som. Num registo que falsamente será visto como minimalista, Van Sant vai explorando e estimulando a percepção de uma audiência, onde cada plano se relaciona directamente com cada som, seja por mera localização espacial ou temporal, ou como acento sentimental, recordo um sequência filmada em ligeiro traveling (in/out) em que a câmara se afasta da janela de uma sala, onde Blake (personagem inspirada em Kurt Cobain), entra e toca os seus instrumentos... inicialmente apenas temos uma melodia, um ritmo (interior?), que vai sendo ornamentado por cada acorde da guitarra de Blake, até ao momento em que o próprio se senta frente à bateria e como uma explosão sentimental, cria um dos mais fascinante e estimulante momento do cinema actual. Será apenas um conceito rectórico e inteligível? Ou será apenas uma utilização essencial dos recursos, de forma a transmitir uma mensagem de forma simbólica? Não será indeferente a qualquer um todo o trabalho de composição de cada plano, de cada som, acentuando ainda mais a visão unica de Gus Van Sant sobre um facto real.

Com uma clara invocação dos ultimos momentos de vida de Kurt Cobain, Gus Van Sant, não opta por filmar um registo meramente biográfico... ficciona e cria a sua visão, mas sempre respeitando a sua personagem, como se de uma homenagem se tratasse.
Gus Van Sant respeita os espaços do artista que filma, dignifica-o, homenageia indirectamente um símbolo de uma geração, que sabia que caminhava para uma morte solitária. Basta relembrar como são filmados os ultimos 10 minutos de “Last Days” e certamente estarão perante uma homenagem mais que merecida ao vocalista dos Nirvana... seria mais apelativo ao público ver, mas Van Sant não cede ao comercialismo e enaltece o seu artista até ao ultimo momento, sem nunca o rebaixar, e até pelo contrário, torna-o imortal, seja pela música, ou apenas pela geração que “criou”.

Michael Pitt foi o actor escolhido para dar corpo a mais um “poema” e na verdade Pitt é suberbo, decadente e terno, por momentos é impressionante a inoperância da sua personagem, enquanto noutros momentos liberta uma aura plena de consciência, especialmente quando refugiado na música.

Em boa verdade, “Last Days” não é a obra-prima que é “Elephant”, mas não deixa de ser uma obra obrigatória, onde o minimalismo aparente não é nada menos que uma das mais extraordinárias visões de um autor pleno de sensibilidade... Gus Van Sant apresenta-nos os sons da morte.

NeTo – 8/10

9 Comments:

At 2:56 da manhã, Blogger Coutinho77 said...

Este é dos tais que não quero perder... Abraço!

 
At 9:10 da manhã, Blogger Francisco Mendes said...

“Last Days” captura imaculadamente a facilidade do tombo num trágico abismo de depressão, solidão, desespero e abuso de drogas, no qual malogradas almas jazem. É como vaguear numa espécie de purgatório particular. Assistimos ao crepúsculo de uma alma, enquanto a escuridão assola lentamente o seu âmago.

 
At 3:31 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Elephant foi um filme que me fascinou! Quanto a este Last Days, já li muita crítica negativa à excepção de um ou outra! Contudo o tema em si não é algo que me entusiasme muito... logo se vê!
Um abraço!

 
At 3:46 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Também já li algumas críticas negativas mas mesmo assim, acho que vou arriscar ir ver.

Abraços cinéfilos

 
At 11:42 da manhã, Blogger brain-mixer said...

Pela minha opinião, para provocar polémica: Gus Van Sant não vai ser recordado no futuro... Pelo menos não se vai tornar num realizador reconhecido daqui a umas décadas :P

 
At 7:09 da tarde, Blogger MPB said...

Brain - :D Já causa polémica, mas não deixo de descodar, porque se formos a ver, Sant não deixará saudades a grande parte do publico, assim como grandes experimentalistas/inovadores/descobridores do cinema, também não deixam saudades... experimenta ir para a porta de um cinema perguntar quem é EISENSTEIN, TARKOVSKY, GRIFFITH, STROHEIM ou BERTOV? Também estes nomes não deixam saudades a grande parte das pessoas... agora um Michael Bay esse sim faz falta:D

Cumps ;)

 
At 2:56 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Gostei do seu cometário ao Brain!É bem verdade que os génios raramente são reconhecidos na época em que vivem!Eu ainda naõ vi este filme, mas está a deixar-me bastante curiosa!Devia ir comentar ao blog gonn1000, porque ele só atribui 1,5 de 5 a este filme!Dar uma lição de história e sensibildade aos miúdos...ehehehe

 
At 3:50 da tarde, Blogger MPB said...

É apenas a minha opinião, fui buscar exemplos de um passado longinquo, mas basta falr em Woody Allen, para perceber o que digo. É um dos grandes nomes da industria, que sempre filmou nos Estados Unidos, até se ver obrigado a vir para a europa produzir os seus filmes ("Match Point"), normalmente os louros ficam para quem explora o trabalho dos outros :D Tantos anos a criar formulas e a experimentar, para outros tirarem os lucros banalizando o cinema :D

Cumps

P.S.- Quanto ao comentário do Gonn1000, compreendo o seu ponto de vista e pelo menos não reduziu o seu interessante comentário a dizer como já vi por aí "SOU FAN DOS NIRVANA E O FILME É UMA B*ST*.. MUITO PARADO"... a arte é assim, não é uma simples ciencia em que o resultado é sempre o mesmo :D

 
At 7:21 da tarde, Blogger gonn1000 said...

Pois é, não gostei do filme, mas assim como o Ne-To, justifiquei-o. E pronto, assim ninguém se chateia :)

 

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