quinta-feira, setembro 28, 2006

"World Trade Center" de Oliver Stone (2006)


por: José Miguel Oliveira

Pode-se, á entrada ou á saída, do filme de Oliver Stone ter-se, em princípio, uma de duas atitudes.
Pode-se, á entrada ou á saída, do filme de Oliver Stone ter-se, em princípio, uma de duas atitudes.
A primeira é ver-se o filme em relação com a restante obra de Stone.
A segunda é olhar para ele como “só um filme”, justamente um filme, experiência que se pretende de catarse e necessária, e que teria de acontecer mais ano menos ano.
No caso de se escolher a primeira atitude muito dificilmente alguém se demarcará de ideais políticos, prós ou anti americanismos, do lado de Stone ou contra Stone.
Durante o visionamento haverá com certeza o “raccord” mental dos gestos iconoclastas e provocatórios que o cineasta americano tantas vezes praticou: a militância “louca” da personagem de Tom Cruise em Nascido a 4 de Julho, a monumental teia de conspiração erguida em JFK, a ultra violência de Assassinos Natos.

Poder-se-á, e o próprio Stone têm confirmado esta hipótese, reconhecer que o cineasta mudou, de ideais, de atitude, de vida, que escolheu opor a provocação e a desmontagem a um cinema pacificado, reconciliado com a dor da sua América, trabalhar num humanismo clássico que sempre fez parte da história de Hollywood, de Ford a Spielberg por exemplo.
E aqui teremos que ver o filme, por assim dizer, do lado do cinema, de um modo de fazer que se quer justo e emocionante.
E se quisermos por tudo isto de lado, assistir então ao filme como uma peça que teria obrigatoriamente de ser produzida, uma peça que soubesse lidar com o maior acontecimento do presente puro ainda.

Neste caso estamos também do lado do cinema obviamente, e com tudo o que ele pode despoletar em termos humanistas, sociológicos, na sua condição de arte maior.
Em todos os casos existe ainda uma obra na carreira de Stone que poderemos considerar singular e rimável em certa medida com WTC, os Bravos do Plutão com que Stone quis fazer a sua propina catarse e a de uma América em relação ao Vietname.
Desde logo Stone teria que ter em conta uma série de questões fulcrais para resgatar o seu filme da banalidade e por fim da mediocridade: como escapar á monumental proliferação das imagens do lado do “real” que a televisão produziu; como escapar ás imagens-cliché do “real” e do próprio cinema; enfim, como encontrar novas imagens – emoções – num filme que se quer ficcional a partir do real.

Poderemos começar por dizer que o filme é dos mais lúcidos que alguma vez Stone realizou, formalmente “calmo” e justo, sempre resguardando uma distância integra em relação ás personagens e ao desconhecido, ás suas emoções e aos eventos puramente ficcionados.
A sequência inicial é prova cabal disso mesmo: um acordar como qualquer outro, os movimentos citadinos, a tragedia, o espanto geral.
E nesta sucessão progressiva de acontecimentos Stone consegue com uma economia de meios que muitos julgariam impossível – ficam de fora o formalismo brutal que tantas vezes pareceu descabido e imaturo, como um mestre da manipulação áudio visual a mostrar a sua singularidade – para fazer imergir ao mínimo a banalidade das imagens gastas – nesse sentido a sombra na torre é um achado – logo nos lançando para um clássico e tocante intimismo de grupo, os bombeiros, a policia, as pessoas como um todo.
Seco e desencantado até o filme atingir ao seu centro – enfim aparecerão ecos pontuais de uma maneira de fazer não totalmente revertida – os dois bombeiros e a sua luta pela sobrevivência, o paralelismo centrado na família.Ou seja: o escuro e o claro, a “noite” e o dia, (escuro-claro/claro-escuro, …) tudo envolto em tom eminentemente trágico – é uma dialéctica interessante que o filme não conseguirá suster na plenitude

E chega a ser notável a maneira como o filme tem coragem de ficar tanto tempo no escuro, na claustrofobia, testando a paciência de muita gente sedenta de puro espectaculo (“que seca” tantas vezes se ouviu na projecção do filme), o realizador não receou a falta de luz, é talvez a maior vitoria do seu filme.
Se o filme explana um conceito interessante de tratar as matérias, é em termos puramente cinematográficos que o filme não atinge grande brilhantismos, não se transcende.
Se Oliver Stone foi notável em termos de dramaturgia, e já agora em termos de montagem e de “mise en scene”, em JFK, filme em tudo contrario a WTC, o Stone provocador, sempre disposto a por o dedo na ferida estava por assim dizer no seu auge, é evidente que aqui algo se perdeu, no modo de fazer, na convicção e na paixão de segurar e de elevar uma narrativa, em termos puramente criativos, etc.
E não se trata de defender o Stone convencionado, ou seja, não existe mal algum, como é óbvio, em ser patriota, em fazer um cinema que não vá no sentido de questionar os mecanismos e atitudes politicas do seu país, mas que antes funcione como um canto de amor por uma América ferida, dos seus heroísmos e da sua capacidade de se unir e reconciliar por uma causa, é um Stone harmonizado e também ele ferido que trabalha em WTC.

E se dispensarmos todos os maniqueísmos que nos fazem querer ser necessários para seguir e nos identificarmos com uma obra, esquerda/direita, etc., como se não tivesse existido nomes como Leni Riefenstahl, como Griffith, ou como Ford ou Spielberg, mais uma vez, mesmo assim temos que conceder que é um Stone tocado pela mediania, sem grande desenvoltura nem capacidade para levar aos limites o potencial que a sua corajosa dialéctica pedia.
Isso sente-se nos diálogos entre os dois bombeiros, por demais trabalhados numa lógica demasiado reconhecível, não acreditamos naquela conversa, sobretudo, e o realizador parece também não estar seguro, daí nasce uma sensação bizarra: depois de o filme se escapar virtuosamente de muitas imagens-cliché deixa-se cair nas armadilhas de transpor para o intimismo mais cru e radical sinais desse mesmo academismo anteriormente declinado.
Falta coragem para ir ao fundo da dor, dai os diálogos demasiado reconhecíveis e dispersivos, o trabalho sobre o claro, quando estamos com as mulheres destroçadas ser tão normalizado e indistinguível, preso a numa imagem de tele-filme de puxar á lágrima, de melodrama menor – falta sentir a singularidade da tragédia.
E na coerência e justeza formal que Stone na generalidade atinge surgirão sinais antagónicos e desnecessários que abalam a poética da sua materialização – num grande achado, João Lopes considerou os fragmentos dos dois bombeiros enclausurados, de poética Bressoniana – isto aparece por exemplo no plano em que a câmara sobe sobre os fragmentos da tragedia, do intimo para o geral, laivos de desajustamento formal e de traição.

E depois existe na personagem que se faz passar por marine, que quer ajudar e que logo proclama vingança um discurso e uma caracterização que roça o ridículo, que parece sair de outro filme, tal os sinais contraditórios que ostenta e que lança para o filme, laivos de um programa e de retórica fácil que o resto do filme parece rejeitar orgulhosamente.
E é nesta flutuação, entre o conceito francamente interessante, com momentos conseguidos e sobretudo com alguma coragem e paradoxalmente não se deixar afundar nos seus abismos e de Stone não ter o brilhantismo dos grandes mestres humanistas que o filme fica como o primeiro momento interessante sobre o 11 de Setembro propriamente dito.

José Miguel Oliveira - 6/10