"Brokeback Mountain" de Ang Lee
por: José Miguel Oliveira
Em “Brokeback mountain” existe uma sublime realização de Ang Lee, e que se leia sublime não no sentido gratuito da palavra ou do elogio fútil sobre as imagens e os sons mas primeiro que tudo – e é recorrente, e impressionante ao longo da sua obra, o ponto máximo anterior era sem dúvida “The Ice Storm”, de 1997 – pela forma como Lee se apodera e reinventa todos os códigos mais tradicionais e puristas de um género americano, o Western mais clássico, o Western lancinante, poético e crepuscular da mais nobre tradição de Hollywood, de John Ford a Howard Hawks.
Ang Lee o cineasta de Taiwan com a sua visão externa e distanciada, não americana para simplificar, consegue agarrar de forma “ditatorial” os grandes espaços, a melancolia e toda a mística que o género sempre conteve…mas há um nome decisivo para que Ang Lee, os actores e o próprio espaço – sem duvida uma personagem – consigam ter tamanha força e nos façam sentir que estamos a ver um filme que não é deste tempo…que não pode ser deste tempo, onde a velocidade e a saturação das imagens ficam de fora…onde o tele-filme – que é o que costuma sobrar quando se quer ser anacrónico – é completamente revertido, é anti tele-filme…o nome é Larry Mcmurtry argumentista de outro filme que nos vem constantemente á cabeça durante “BrokeBack Mountain”, o clássico “The Last Picture Show” realizado em 1971 por Peter Bogdanovitch…o mesmo pudor, a mesma força dos gestos e do não dito, a mesma profundidade na caracterização e evolução das personagens e no tratamento e inserção destas num espaço – se no filme de Bogdanovitch elas eram inseridas numa pequena vila tradicional americana, já sem os índios nem os cowboys, mas sentíamos em todos os momentos que estávamos a ver um Western insólito, “Red River” de Hawks andava subliminarmente e também literalmente por lá, em Brokeback essas personagens já percorrem e habitam nas mesmas paisagens mitológicas que celebrizaram o Western…as montanhas, o gado…a nostalgia…é o prolongamento do universo de Macmurtry.
Mas falar destas marcas é falar de muito pouco, porque existe outro factor no filme que é porventura o mais esmagador, a par das personagens: o tratamento sobre o tempo, que é de perder de vista…como em “The Last Picture Show” os anos passam e isso sente-se nos rostos, nos ossos dos personagens atormentados pelos fantasmas e pela impossibilidade de um regresso, sente-se o ferimento agudo de desolação perante a fatalidade do tempo e a não verbalização dos sentimentos.
E nesse universo de pudor e de melancolia existe sempre um infindável espaço de manobra para as personagens e aqui elas são magnificamente caracterizadas e interpretadas, acima de tudo a personagem de Heath Ledger, incapaz de verbalizar e de expressar o desejo e a vontade, parado no tempo, esmagado pela impossibilidade das tradições e dos códigos que não o deixam libertar-se, e isso sente-se e é brutal…mas ainda Jake Gyllenhaal, o lado feminino e mais frágil da relação, que apesar de evoluir mais que a personagem de Ledger e de ter o lado mais rebelde e aberto ao corte é igualmente comovente e incapaz da eclosão…
E é indispensável esvaziar todos os apêndices incompreensivelmente colados, esquecer todos os rótulos e sentir o ardor de uma obra aparte de um tempo…
José Miguel Oliveira
(P.S. - Este texto do nosso colaborador José Miguel Oliveira, está publicado também no blog Matiné)
3 Comments:
Que grande texto e que grande crítica ao filme e ao trabalho de Ang Lee. Muito bom mesmo.
basta dizer, zé és um poeta.
Esta é a minha opinião...
http://movietvaddicted.blogspot.com/2006/02/crtica-brokeback-mountain.html
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