domingo, março 27, 2005

“Sideways” de Alexander Payne

por: joseol

“Sideways” de Alexander Payne é tal como “The Life Aquatic With Steve Zissou” de Wes Anderson um filme completamente outsider no actual panorama do cinema norte-americano.
É um filme que nos vêm falar de coisas importantes e decisivas de um modo quase absurdamente subtil, e aqui o golpe de asa é o filme estar assente na metáfora do vinho para nos falar em assuntos como a procura de um rumo, o ultrapassar de traumas, o aproximar de um novo capitulo brevemente…e sobretudo a importância de nos conhecermos….

É então um road-movie nada parecido com os habituais road-movies, onde dois amigos – um deles a uma semana de se casar, outro um escritor frustrado a recuperar do divórcio – embarcam numa viajem Califórnia fora, seguindo uma rota de vinhos….conhecendo ai duas mulheres e deparando-se com muitas duvidas e muitas contradições….no fim nada ficará igual….

E Alexander Payne como nos seus brilhantes filmes anteriores usa um humor cínico e sarcástico para traçar o retrato de uma certa América…e de uns certos personagens perdidos e sem rumos, figuras desencantadas que traduzem muito do estado das coisas actuais.

Seco, cínico, de uma fluidez narrativa única e com uma brilhante e saborosa realização e quatro actores no patamar da genialidade – sobretudo Paul Giammati e Virgínia Madsen – Sideways é um filme brilhante e essencial nos dias que correm, ajudando-nos sobretudo a separar o essencial do acessório…

joseol - 9/10

"The Life Aquatic with Steve Zissou" de Wes Anderson

por: joseol

Wes Anderson é um dos realizadores que pertence á chamada nova vaga do cinema americano - juntamente com Alexander Payne, Spike Jonze, Sophia Coppola, David´O Russel ou Paul Thomas Anderson – a chamada Weird Generation.
Ou seja, são os tipos que nos anos 70 veneraram os movie brats – os Coppolas, Spielbergs, Scorseses, etc… – e que hoje em dia baseiam o seu cinema na analise de figuras losers (“About Schmidt”, por exemplo), na construção de mundos próprios e na alteração do mundo exterior (“The Royal Tenenbaums”, por exemplo), na persistência da infância (“Rushmore”, por exemplo), na observação das relações familiares (este “The Life Aquatic With Steve Zissou”, por exemplo) e na captação da banalidade, ou, seja o cinema desta geração procura sobretudo um refugio do estado das coisas assente numa lancinante subtileza, ao contrário da geração de 70 que em vez da subtileza usava sobretudo a megalomania para analisar o que sucedia na vida politica e social de então (o Vietname, etc.).
Em todo o caso como nos anos 70 a critica americana quer vislumbrar nesta geração uma maneira de fazer cinema original, própria e sem concepções, apesar das diferenças.

No cinema de Wes Anderson o motivo é quase sempre a família e as suas relações, tudo construído num mundo muito próprio e claro Weird, já era assim no anterior e a todos os níveis fabuloso “The Royal Tenenbaums”.

Este “The Life Aquatic With Steve Zissou” leva ainda mais longe o conceito, basicamente existe um documentarista (Bill Murray, baseado na figura de Jacques Costeau) que já há muito tempo não assina um êxito, mas desta vez o seu próximo documentário vai servir sobretudo para se vingar de um suposto tubarão que na sua anterior obra devorou o seu melhor amigo. Aquando da apresentação desse novo trabalho conhece um filho há muito perdido, ao mesmo tempo que as coisas entre a sua mulher não vão nada bem, então a solução é por tudo a bordo e partir para uma auto-redescoberta – e é neste cenário caótico (como caótica era a casa dos tenenbaums) que Wes Anderson vai analisando e tecendo as relações familiares, sempre com uma subtileza e uma originalidade riquíssima que pode correr o risco de parecer simplista….mas não….no meio do caos o filme vai bem fundo e fala-nos de coisas importantes que de outro modo seriam dejá-vu.

E todo o filme é assente numa monumentalidade falhada que é no fundo uma metáfora para o que se vai mostrando, cheio de toques Fellinianos até na forma operática como Wes realiza, embora nunca abandonando a subtileza-weird, fazendo deste filme uma experiência única.

O filme está cheio de trunfos desde a fotografia em tons pastel, passando pelo grande achado que é a banda sonora e sobretudo a fantástica ideia que foi colocar Seu Jorge interpretando canções de David Bowie em Português.

Mas o ponto alto talvez seja mesmo Bill Murray e o seu ar sempre distante, sempre a leste dos acontecimentos, sempre irónico e banal, tudo isto ao mesmo tempo – no fundo a figura de Murray é o resumo do cinema de Wes.

Um grande filme que carece de visionamentos múltiplos para se conseguir atingir toda a sua essência, de um dos mais originais e melhores cineastas de hoje.

joseol - 8/10

"Birth - O Mistério" de Jonathan Glazer

"Birth" é um filme que corre o risco de ser subvalorizado, assim como a fabulosa interpretação de Nicole Kidman. "Birth" terá também o poder de provocar as maiores e mais diversas opiniões, o que desde logo, não é mau, mas sim bastante bom... pelo menos na minha opinião.


Após uma década da morte do seu marido Sean, Anna Morgan prepara-se para o seu segundo casamento, mas uma criança de 10 anos aborda-a dizendo ser Sean. Com uma premissa que nos leva a um mundo fantástico e inteligível, "Birth" é realmente um filme fantástico e inteligível mas não da maneira que a premissa nos leva a pensar. É fantástico porque aborda a vida, o amor... resumidamente e sem entrar em muitos detalhes aborda uma coisa tão pequena como a existência e os sentimentos humanos. É um filme que aborda o amor e a morte de uma forma minimalista (e minimalismo enquanto qualidade muito positiva) e surpreendente, que nos provoca um arrepiar constante e uma vivência da situação muito superior ao que estamos habituados. O filme aborda o todo dos sentimentos recorrendo a pequenas partes, ou seja, as partes filmadas por Jonathan Glazer, obrigam-nos a digeri-las e assumilas como um pequno pedaço de um complexo puzzle.

E como é brilhante Glazer e a sua visão sobre esta fabulosa história... muitos podem dizer que o filme é "parado" ou uma "seca", mas o mistério é isto, é o silencio, é o aguardar impacientemente pelo detalhe seguinte (e os detalhes são mais que muitos) é esperar e ser surpreendido, basta para isso recordar um grande plano de Nicole Kidman (Anna), que tem um duração de +/- 1 minuto, em que o silêncio e a ocultação do que está a ser dito em redor nos remetem para o interior daquele rosto, daquela expressão e daquele olhar que de um momento para o outro mudou de um olhar que descobriu um novo amor, para um olhar que se vê obrigado a voltar a viver um amor que tinha sido roubado pela morte... isto é cinema.

Nicole Kidman, foi uma das principais injustiçadas na noite dos Oscares, um interpretação destas não merecia ser colocada à parte... simplesmente magnífica.

Para o clima de mistério, Glazer conta com uma fotografia estimulante e extremamente realista. A tonalidade amarela que acompanha o filme e até o próprio cartaz revelam tudo o que é pretendido neste filme. Não fosse este filme um filme com uma forte componente psicológica, para muitos estudiosos as cores têm vários significados e o amarelo também tem os seus. Para alguns, pode expressar a inconstância, pode representar a morte (basta ver a cor das folhas do parque, que quando o Outono chega amarelece), pode associar-se ao sol como a luz que nos ilumina (a Vida, o naturalismo), como pode também ser a uma das cores do amor... uma cor pode contar muito e neste caso conta bastante mais do que se pode imaginar.

Como uma história tão simples pode ser tão rica em detalhes... "Birth" tem essa qualidade.

Sem qualquer tipo de dúvida uma OBRA DE ARTE.

NeTo - 10/10